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Dentro da lista de Martínez

 

12h59 CEST

05/06/2024

 Roberto Martínez escolheu 24 dos 26 jogadores que eu levaria ao Europeu. Não me convenceu com as mudanças que fez, justificando-as com argumentos profundamente contraditórios, mas não é isso que torna esta seleção má. 


 A convocatória que Roberto Martínez anunciou ontem para o Europeu que aí vem não é uma má convocatória. Não poderia dizer isso de uma lista de jogadores na qual estão 24 dos 26 nomes que eu próprio escolheria e quando as duas alterações feitas à minha lista pelo selecionador nacional – as trocas de Matheus Nunes por Rúben Neves e de Pedro Gonçalves por Pedro Neto – envolveram uma dupla que acabaria por não somar assim tantos minutos em campo e outra que também os não terá. A primeira coisa que temos de concluir sobre as escolhas de Martínez é que elas fazem uma boa seleção, sendo que, como é óbvio, com todo o talento que há à disposição do selecionador português, seria preciso um enorme esforço para constituir uma má seleção. A segunda coisa é que, estando eu convicto de que as razões com as quais justifico a minha escolha continuam válidas – é uma questão de opinião –, não me convenceram as apresentadas pelo selecionador para explicar as dele. Até porque as achei contraditórias. 

O que está em causa neste momento não é o futuro de Portugal na competição, mas também não é só uma questão de justiça. Não embarco nas teorias da representatividade de um clube, porque foi campeão nacional – tanto que acho que Trincão é neste momento superior a Francisco Conceição, mas levaria o extremo do FC Porto por achar que ele tem caraterísticas diferenciadoras face ao que aporta o resto do grupo, afinal a mesma razão que me levaria a escolher Matheus Nunes em detrimento de Rúben Neves, a meu ver mais redundante neste grupo. Sou sensível a questões de justiça individual, mas repito: uma seleção para um Europeu ou um Mundial não se faz por merecimento nem por quotas. Não se faz porque um jogador fez a qualificação e agora, vejam só, seria injusto ficar de fora. Não se faz porque um jogador está muito bem e tem de ir mesmo que depois haja outros três ainda melhores para a função que o imaginamos a desempenhar. Não se faz porque um clube fez uma boa época e por isso tem de ter mais representantes do que outro que fez uma época pior. Faz-se, antes de mais, para que todas as necessidades que a equipa venha a ter possam ser satisfeitas, sem falhas nem redundâncias. 

Acho que Matheus Nunes é o médio português que mais competência tem na aceleração do jogo com bola a partir da sua zona de influência, o que melhor chega a zonas de finalização depois de Bruno Fernandes e que a sua chamada faria mais sentido do que a de Rúben Neves, que será sempre terceira opção para a posição de médio-centro, atrás de Palhinha e Danilo, e se calhar nem isso para a de segundo médio, atrás de Vitinha, João Neves e Otávio. Acho, e volto a repetir o que aqui defendi ontem, que um atacante que em quatro temporadas marcou 76 golos e fez 42 assistências em 177 jogos, como fez Pedro Gonçalves nas últimas quatro épocas, sendo duas vezes uma das primeiras figuras do campeão nacional, tem de somar mais de 64 minutos como suplente utilizado em dois particulares da seleção, o último dos quais há três anos. E acho que explicar esta ausência já normalizada do jogador na equipa nacional com o facto de ele ter estado lesionado quando saiu a convocatória alargada de Março começa por ser incoerente, para não vir aqui radicalizar o discurso dizendo que é mesmo intelectualmente desonesto e até um pouco apatetado. É que houve muitas ocasiões anteriores nos três anos de ausência em que o jogador já devia ter sido chamado. Além de que nesta lista estão outros elementos que também não puderam acorrer à chamada de Março, como Pedro Neto ou Diogo Jota. 

 A questão é que os argumentos apresentados por Martínez para justificar as escolhas são, em si, contraditórios. Pedro Gonçalves – ou Trincão, que também não estava na minha lista pelas razões que apontei acima – não vai porque não pôde responder à chamada de Março, mas isso já não conta para Neto ou Jota, que não só não estiveram em Março como estão agora a voltar à competição depois de longas ausências por lesão. A chamada de Ronaldo é justificada – como se fosse preciso fazê-lo... – com os números que ele apresenta pelo Al Nassr, na Arábia Saudita, mas esse já é um fator que não conta para Pedro Gonçalves, dono de números pelo menos tão impactantes em Portugal e nunca chamado em ano e meio de Martínez. A ausência de Matheus Nunes é explicada pela sua pouca utilização no Manchester City (1541 minutos), mas essa razão já não serve para impedir as entradas de Nuno Mendes (852 minutos no PSG) ou Pedro Neto (1729 minutos no Wolverhampton). Francisco Conceição, que até estava na minha lista, é chamado sem ter estado na qualificação porque agarrou a oportunidade que lhe foi dada na segunda parte da derrota na Eslovénia, em Março, mas a excelente partida feita por Matheus Nunes na vitória sobre a Suécia, no mesmo estágio, já não chegou para dar uma vaga ao médio do Manchester City na lista final de 26. Martínez faz sempre um esforço assinalável para se exprimir em português, mas é altura de perceber se estes argumentos são tão fracos por uma questão de falta de vocabulário e se não valeria mais ele nem explicar as escolhas ou então fazê-lo num idioma que domine além do conhecimento do que significa a expressão “espalha-brasas”. 

Posto isto, há que desdramatizar. E que começar a engendrar aquele que será o plano que a equipa vai seguir no Europeu. Estes 26 jogadores servem para fazer uma belíssima seleção e para que a equipa exprima a “variabilidade tática” de que o selecionador tanto fala. Parta de que sistema venha a partir, e em princípio arrumado na gaveta o 3x4x3 que nos permitiria a transmutação em 5x4x1, Portugal vai defender em 4x4x2 e atacar em 3x2x5. Pode lá chegar a partir do 4x3x3, que é o mais provável, mas também do 4x2x3x1 com aproximação ao 4x4x2. O que muda? As caraterísticas dos jogadores, com um eventual recuo de Bruno Fernandes para segundo médio, abrindo espaço à entrada de um segundo avançado no corredor central. Vamos começar pela parte defensiva, mais fácil de explicar. Em condições normais, a equipa defenderá em 4x4x2, com Bernardo Silva a baixar da posição de avançado direito para fechar o seu corredor, ficando o flanco oposto a cargo de um dos médios-centro, uma vez que o extremo aberto (no caso do 4x3x3) ou o segundo avançado (no caso do 4x2x3x1) se junta ao ponta-de-lança neste momento. Em caso de necessidade, os portugueses podem na mesma recorrer ao sistema com três centrais, com recurso ao recuo de um dos médios (algo facilitado se lá estiver Danilo), para se defenderem em 5x4x1, mantendo o preenchimento dos espaços na última linha com maior proximidade entre jogadores, dificultando as desmarcações adversárias entre eles. Não veio a coisa a acontecer a não ser em casos bastante pontuais, contudo. 

Ofensivamente, desde o início, e partindo de qualquer sistema, a equipa ataca em 3x2x5. E é aqui que me parece que tem mais espaço para crescer. A começar pela forma de constituir o trio que preside à saída de bola. Lá estarão dois defesas-centrais e, das duas uma: ou o médio-centro, a recuar para o espaço entre eles, ou um dos laterais (Semedo se estiver ele à direita, Nuno Mendes se estiver ele à esquerda). A maneira mais clássica é a primeira, que pode ser atingida de forma absolutamente ortodoxa, projetando os dois laterais para o cinco da frente, na largura, ou de maneira mais inovadora, com a derivação de um dos laterais para segundo médio – o que foi mais vezes tentado com Cancelo ou Dalot a partir da esquerda. Seja como for, esta multiestrutura apresenta nuances. Uma delas é que a equipa passa a exigir a presença de um central canhoto (e só há Inácio) para lhe dar saída por aquele lado. Outra é que Palhinha, que é o nosso melhor médio-defensivo na dimensão física do jogo, é menos ágil a construir atrás, sobretudo se sob pressão. Portanto, se Martínez pensa arrancar com uma dupla de centrais sem Inácio terá de trabalhar a saída a três com Nuno Mendes e incluir o médio defensivo no “2” do 3x2x5. E aqui, parece cada vez mais evidente que o segundo médio tem de ser Vitinha, que o selecionador tem usado tantas vezes mais à frente, sem os mesmos efeitos que se veem no futebol do Paris Saint-Germain. João Neves será opção para quando a equipa queira meter gelo no jogo, Matheus Nunes sê-lo-ia para esticar a partir dali caso se pretendesse agitar as partidas. Não vamos ter esse jogador... 

A escolha do lateral que constrói atrás vai, naturalmente, interferir e ser influenciada pelas opções que se tomem para formar o cinco da frente. Logo à partida porque o outro lateral vai projetar-se e dar largura e profundidade no seu corredor, permitindo meter o atacante desse lado mais dentro, em busca do espaço mais central e da ligação com os médios. Depois, porque isso dá a linha lateral ao atacante que partir do seu lado. Se for Nuno Mendes a ficar na primeira fase de construção, há espaço para Cancelo atacar na direita, para Bernardo Silva jogar mais dentro, nas imediações de Bruno Fernandes e do ponta-de-lança e para Rafael Leão sair da faixa. Se, em contrapartida, for Nelson Semedo a começar por dentro, toda a equipa se inclina a partir daí: passa a ser fundamental ter o pé esquerdo de Inácio nos centrais, abre-se espaço para a entrada de um atacante aberto à direita (Conceição ou Pedro Neto), muda-se Bernardo Silva para segundo médio (sacrificando Vitinha ou incluindo-o como seis) e passa a pedir-se um atacante mais interior na esquerda (Félix ou Diogo Jota, consoante se queira mais ligação ou mais finalização). Tem tudo para funcionar e para fazer de Portugal um dos mais fortes candidatos ao título... apesar das incoerências com que Martínez explicou as suas escolhas.
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