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A revolução de Villas-Boas

 

12h49 CEST

30/04/2024

A vitória esmagadora de André Villas-Boas nas eleições do FC Porto, conjugada com a afluência extraordinária de sócios às urnas, demonstraram uma vontade de mudança que não poderia ser contrariada e só procurava alguém em quem pudesse realmente corporizar-se, ao mesmo tempo que de certa forma facilitaram, pela legitimação, a tarefa da equipa de gestão que terá por missão reencaminhar o clube para o sucesso. Diz muito do estado de coisas que muitos dos apoiantes do presidente cessante se tenham desdobrado, até durante a campanha eleitoral, em declarações no sentido de que seria injusto vê-lo sair pela porta pequena, tanta era a gratidão que tinham pelo que ele fez pelo FC Porto. Pois bem, Pinto da Costa não saiu pela porta pequena – saiu pela porta da garagem do estádio, não anunciado e em silêncio, recolhendo lágrimas de compaixão de um dos seus opositores e rodeado em climax altamente emocional pelos Super Dragões que tantas vezes o apoiaram e que poderão ser agora o último bastião da luta contra a transformação que Villas-Boas quererá operar no clube. 

Não é despiciendo que Pinto da Costa tenha ontem delegado em Vítor Baía a concessão da derrota – e é evidente para mim que ele deveria ter feito o seu papel, felicitando desde logo a candidatura vencedora e, a bem da pacificação da nação portista, desde logo se colocando ao lado do presidente tão esmagadoramente eleito e disponibilizando-se para o ajudar em tudo. É verdade que o fez já hoje, de acordo com o que foi revelado pelo próprio Villas-Boas, inclusivamente convidando-o a assistir ao jogo na tribuna presidencial, algo que este declinou – e também é claro para mim que devia ter aceite, quanto mais não seja para dar um sinal de união, por mais que isso lhe custasse, depois de ter sido alvo de alguns ataques do campo da situação durante a campanha. É certo que a vitória de Villas-Boas, com mais de 80 por cento dos votos na mais participada eleição – de longe – da história do clube lhe dá uma margem de manobra que não tinha, por exemplo, Frederico Varandas quando este foi eleito presidente do Sporting, em 2018. Varandas teve apenas 42 por cento dos votos e até pode alegar-se que a contestação de que foi alvo durante anos, por exemplo por parte das claques, até quando tinha a equipa de futebol a caminho de ser campeã nacional, em 2021, não vinha do campo do seu maior adversário na corrida eleitoral mas sim do do presidente deposto, que tal como Pinto da Costa tinha uma enorme base de apoio nos grupos organizados. E estes, já se sabe, conseguem ser chatos quando lhes dá para a dissensão, tanto como são importantes nos momento de união.

O que o futuro próximo mostrará é, primeiro, se as claques do FC Porto quererão fazer este papel e tentarão passar de minoria ruidosa a força de bloqueio real. E, depois, se as forças vivas do clube lho permitirão. A dimensão da vitória do presidente eleito não deixa margem para grandes dúvidas de que, se o tentarem, terão vida muito difícil. Aliás, é sintomático de que muitos dos apoiantes de Pinto da Costa tenham declarado o seu apoio não tanto por se reverem no que ele tinha para propor ou por acreditarem em quem estava com ele mas muito por não quererem vê-lo derrotado. O fator gratidão pode ter levado muita gente a declarar-se no lado do presidente cessante – e nem me espantaria que muitos desses, necessariamente os que não precisam do clube nem iam à procura de lugares ou de negócios de ocasião, até tivessem depois posto a cruz na Lista B. Na verdade não pretendiam continuar com Pinto da Costa. Mas não queriam vê-lo perder. Nem muito menos perder por tanto. Muitos até teriam preferido que ele não se tivesse candidatado, que entrasse numa espécie de compromisso com o sucessor, para lhe proporcionar uma saída mais pacífica – e é desse campo que chegam as teorias de que Pinto da Costa foi empurrado para se recandidatar por quem gravita à sua volta, teorias nas quais, francamente, tenho muita dificuldade em acreditar, pelo que convivi com o agora ex-presidente do FC Porto.

No entanto, uma coisa deve ser dita: a última vez que estive pessoalmente com Pinto da Costa foi em 2003, na Turquia, antes de um jogo do FC Porto com o Denizlispor. Passaram 21 anos. E o homem com quem estive naquela altura estava a meio caminho dos seus 42 anos à frente do clube. Seria, necessariamente, não apenas bastante mais jovem como um presidente bem diferente. O que me levou a refletir em relação às diferentes fases do “pintodacostismo”. Da energia revolucionária da década de 80, continuação da atuação como diretor de futebol nos anos 70, que o levou a afrontar o poder de Lisboa e a colocar o FC Porto no mapa, não só no plano nacional como internacional. No apogeu competitivo dos anos 90, os anos do penta, um período de controlo do sistema, necessariamente marcado pelos factos depois refletidos nas escutas do Apito Dourado. Do acomodamento que sobreveio ao sucesso, por alturas da passagem do século, e que casava mal com a contestação como estado de alma que tinha sido a base do seu pensamento: foi nesse tempo que se gerou uma ideia à volta do presidente em função da qual era irrelevante quem era o treinador, porque a chave do êxito estava acima. O final do século XX já é um período de alguma crise para Pinto da Costa, marcado também pelo afastamento de José Veiga e do seu próprio filho, Alexandre: foram os anos com Fernando Santos, nos quais o FC Porto perdeu o campeonato de 2000, com um Super-Jardel no plantel, o de 2001 para o Boavista, ou o de 2002 para o Sporting, com Otávio Machado como treinador. Começou a falar-se em decadência, na idade do presidente...

Pinto da Costa no entanto, ainda só tinha 64 anos quando contratou José Mourinho, no início de 2002. E salvou-se. Primeiro pelo génio do futuro Special One, depois pelo dinheiro que a vitória na Liga dos Campeões de 2004 gerou em vendas e pela associação no mercado a um novo parceiro, que foi Jorge Mendes. Finalmente pelo trabalho sólido de Jesualdo Ferreira e pela pujança de uma SAD que pôde dar a André Villas-Boas uma equipa capaz de ganhar tudo, até uma Liga Europa. Mas a queda que se verificou depois, ainda disfarçada no tri conseguido já com Vítor Pereira, foi devastadora. Basta olha para o plantel que o FC Porto tinha em 2011 e para o que tem hoje para perceber bem as diferenças: aquele era um clube atrativo para os talentos dos mercados periféricos, o de hoje já não o é. Aquele grupo, com Falcao, Hulk, João Moutinho, James Rodríguez, Otamendi ou Lucho González não tinha comparação com o atual, também penalizado pelos anos da “parceria estratégica” de Mendes com Vieira no Benfica. Sérgio Conceição ainda ganhou três campeonatos em sete anos desde que pegou na equipa, mas em dois deles é mais ou menos consensual que o fez muito à custa de méritos pessoais na condução da equipa, porque não tinha os melhores jogadores. E essa é a realidade que espera Villas-Boas: uma SAD com uma dívida monstruosa, necessidade de refinanciamento no imediato e um plantel que, em termos de qualidade e de potencial de venda no mercado, está abaixo dos dos rivais. O FC Porto tem dois jogadores no Top10 dos mais valiosos da Liga Portuguesa de acordo com o Transfermakrt, face a cinco do Sporting e três do Benfica. E a eventualidade de venda dos passes de Diogo Costa e Evanilson – que é deles que se trata – deixará a equipa ainda mais debilitada.

As coisas chegaram a este estado – e pelo meio desbaratou-se uma geração que ganhou a UEFA Youth League de 2019 – muito em função de uma gestão desportiva perniciosa, da perda de inúmeros jogadores a custo zero e de inúmeras contratações não muito vistosas nem assim tão caras mas inúteis e, todas somadas, com algum peso na fotografia. Controlada a questão da dívida, é por aqui que Villas-Boas, Andoni Zubizarreta e Jorge Costa têm de começar. Não está decretado que, neste panorama, o FC Porto não possa ser campeão em 2025: Conceição foi-o em 2018 no meio das restrições do fair-play financeiro. Por outro lado, Pinto da Costa não foi campeão nos primeiros dois anos de presidência, só o conseguindo em 1985, já depois da morte de Pedroto e com Artur Jorge aos comandos. As coisas, porém, movem-se hoje a uma velocidade incomensuravelmente maior do que nos anos 80. A vitória é, por isso, mais urgente do que nunca. E o meio de lá chegar é que continua a ser o mesmo: golpe de asa. É disso que Villas-Boas mais precisa.


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