02h00 CEST
26/07/2025
O Chelsea ganhou sem espinhas ao Paris Saint-Germain na final do Mundial de clubes. Foram 3-0, com três golos marcados quase de enfiada, numa primeira parte em que se percebeu que havia fragilidades no lado esquerdo da equipa parisiense e se viu a capacidade de adaptação de Enzo Maresca, por um dia transformado num treinador capaz de trocar o jogo apoiado por um futebol mais direto, sobrevoando o meio-campo de formiguinhas trabalhadoras de Luis Enrique. Quer isto dizer que o Chelsea, igualmente vencedor da Liga Conferência da UEFA e apenas quarto classificado na Premier League, é a melhor equipa do Mundo? Não. Na mesma medida em que nem sempre a melhor equipa da Europa ganha a Champions ou que o Mundial também nem sempre é ganho pela melhor seleção em absoluto. O Chelsea não precisa de ser a melhor equipa do Mundo – essa, neste momento, acho que continua a ser o PSG – para ter sido um vencedor justo de um torneio que durou um mês e que faz sentido, ainda que deva forçosamente corrigir vários aspetos antes da próxima edição.
Não, não acho que um desses aspetos deva ser o formato de qualificação – isto para responder logo à partida a quem contestava mesmo o direito dos londrinos a estarem presentes, quando não jogaram sequer a última Champions. Ou, no plano nacional, o facto de lá estarem Benfica e FC Porto e não o Sporting, que é bicampeão nacional e na época em curso até ganhou Liga e Taça de Portugal. Se o Mundial se joga de quatro em quatro anos, faz todo o sentido que os quatro anos sejam tidos em conta no processo de apuramento de finalistas – e o Chelsea foi jogar a prova por ter ganho a Champions em 2021, da mesma forma que Benfica e FC Porto se apuraram por terem sido das melhores equipas europeias em termos de ranking do período em apreço. Sim, é possível uma equipa ser campeã europeia num ano e cair tanto nos quatro que se seguem a ponto de não ser digna de uma competição como esta, mas nem sequer foi esse o caso do Chelsea, mesmo tendo em conta que, desde que ganhou a Liga dos Campeões, nunca foi além de um terceiro lugar no seu campeonato e acabou uma época em 12º lugar. Seja como for, o Chelsea foi mais do que digno: ganhou o Mundial.
Os aspetos a corrigir são essencialmente dois. Um deles tem que ver com o calendário. Sim, o Mundial foi jogado nesta janela temporal porque, entre FIFA e UEFA, ninguém quer ceder na corrida a segurar o maior quinhão da distribuição de receita. A FIFA tem o maior tesouro do Mundo, que é o Mundial de seleções, mas um problema: ele só acontece uma vez a cada quatro anos. A UEFA tem a Liga dos Campeões, que não dá tanto como um Mundial, mas tem a vantagem da frequência: joga-se de quinze em quinze dias, todos os anos, de Setembro a Maio. É fácil para quem está de fora dizer que as duas têm de se entender, mas o problema é que os interesses de ambas são contraditórios – é um bocado como pedir a duas equipas que vão jogar uma final que se entendam acerca de quem deve ganhar. Seja como for, é impossível exigir a jogadores de futebol profissional que prolonguem a atividade todos os anos por Junho e Julho quando, depois, logo no início de Agosto, já têm de estar a competir. Da mesma forma que é possível pedir-lhes – aos melhores de entre eles – que sacrifiquem parte das férias para acomodar grandes competições, de dois em dois anos, uma vez o Mundial, noutra o Europeu ou a Copa América, eventualmente os Jogos Olímpicos, mas é estúpido querer que eles façam isso todos os anos. A temporada que está prestes a arrancar vai ser território absolutamente inexplorado, no qual nenhum treinador, nenhum departamento de performance, saberá bem o que fazer ou o que esperar, se as equipas envolvidas no Mundial vão arrancar melhor e cair lá mais para o Inverno, se vão arrancar lento para depois aguentarem até Maio. Ninguém sabe nada a não ser que isto não é saudável.
A outra questão tem que ver com a americanização da competição. Há semanas, Sepp Blatter, que enquanto secretário-geral de João Havelange e, depois, presidente da FIFA ele mesmo, saberá como ninguém os segredos da troca de subsídios por votos, veio queixar-se numa entrevista a um canal alemão de televisão de que há demasiado futebol na televisão e de que isso se deve à entrega do jogo aos interesses da Arábia Saudita. O problema, no entanto, não é apenas e meramente financeiro. É sobretudo de influência. E a influência não se mede só nos mil milhões de euros que foram injetados na competição, via DAZN, pelos sauditas, que dessa forma se tornaram donos do que está para vir, incluindo o Mundial de 2034. Mede-se igualmente na submissão a tudo o que tresanda a americanice na prova e que é bom que a FIFA tenha visto a tempo de evitar que se repita no Mundial de seleções de 2026. Refiro-me a algumas patetices feitas neste Mundial de bancadas semivazias, como a entrada dos jogadores um-a-um, com o anúncio do nome, aquele número com o icónico (para os americanos) Michael Buffer e o seu “Let’s get ready to rumble”, já dito de uma forma que não esconde a erosão dos anos que passaram por este apresentador de combates de boxe ou a necessidade de entreter com um espetáculo musical que levou o intervalo a durar 24 minutos, mas também de aspetos práticos, como as interrupções de jogos por horas à conta de avisos de tempestades.
A obsessão de ganhar mercados para o futebol, que já estava à vista nos alargamentos dos participantes nas fases finais votados durante os mandatos de Havelange e Blatter ou na entrega do Mundial de 1994 aos Estados Unidos – a primeira vez que se fez num país que não era um país de futebol... –, continua a ser uma das forças motrizes de Infantino. Mas tem de haver um momento em que, entre as necessidades da injeção de dinheiro dos sauditas e de ganho de notoriedade ou de público que ainda tem de aprender a gostar de futebol, até um tipo que aparentemente é porreiro, como o atual presidente da FIFA, há-de perceber que está a alienar o público que mais devia interessar-lhe, que é aquele que já conquistou. Porque se isto se repete para o ano, no Mundial de seleções, corremos o risco de haver pegas de caras ou matadores de touros em campo no intervalo dos jogos do Mundial de 2030 e concursos de falcoaria ou corridas de camelos no de 2034, só para o público se sentir mais em casa. E não é isso que fará o sucesso das competições, que estas dependem sobretudo de jogadores mais capazes de dar tudo em campo sem parecerem esgotados e de espectadores emocionalmente disponíveis para acolher os jogos sem terem já atingido os níveis de saturação a que todos nós chegámos neste final de época. Foi por isso que o PSG perdeu? Não me parece. Mas foi por isso que se contam pelos dedos das duas mãos o total de jogos deste Mundial que eu fui capaz de ver de início ao fim.
