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A era das maravilhas de um ano

 

02h00 CEST

26/09/2025

Não foi só a Bola de Ouro ganha por Ousmane Dembelé, que na época passada nem esteve nos 30 primeiros – e não, não vos falo de um adolescente acabado de chegar ao futebol do mais alto nível, que o extremo do Paris Saint-Germain já tem 28 anos e experiência nas Ligas de França, Alemanha e Espanha. Não é só o facto de os outros dois jogadores chamados ao pódio na votação deste ano do prémio da France-Football, Lamine Yamal e Vitinha, terem passado mais ou menos despercebidos na edição do ano passado, com um oitavo e um 27º lugares. E nem é só também o facto de os três primeiros do ano passado terem desaparecido do topo das escolhas do lote de jornalistas internacionais chamados a votar, Rodri mesmo fora dos 30 primeiros, devido a lesão grave que lhe afetou irremediavelmente a temporada, Vini Júnior em 16º e Bellingham em 23º. Os últimos quatro anos deram-nos 12 nomes diferentes nos três primeiros lugares do prémio e zero repetentes. Isto nunca tinha acontecido. Estamos a habituar-nos a viver sem o domínio opressivo de Messi e Ronaldo e, sim, a velocidade a que tudo acontece hoje, com as redes sociais e o marketing digital a mandarem no Mundo, acelera muito aquilo que na génese era uma alternância normal e que no momento presente já se tornou a era das “one-season wonders”, das maravilhas de um ano, que se provam, mastigam e deitam fora, porque não demoram, como a Chiclete dos Taxi.
A vitória de Dembelé não causou a confusão que gerou a de Rodri sobre Vini Júnior há um ano, mas já está a ser destruída nas redes, como seria qualquer que fosse o nome votado em primeiro lugar nesta era em que também a opinião é tão firme como instantânea. Os estetas queriam Yamal e rasgam as vestes por conta do 11º lugar de Pedri, visto como outro insulto. Os patriotas queriam Vitinha ou Nuno Mendes, mas revoltam-se sobretudo com o 19º posto de João Neves, que afinal há mais benfiquistas do que portistas e sportinguistas, todos a puxar a brasa à sua sardinha. Não me parece que Dembelé seja um mau Bola de Ouro – e por isso mesmo foi nele que votei em primeiro lugar. Yamal é o melhor do Mundo neste momento? Provavelmente, sim, mas Dembelé foi o melhor na época passada, decisivo nos troféus do Paris Saint-Germain – e não foram poucos, da Liga Francesa à Liga dos Campeões, a opor à Liga Espanhola e à Taça do Rei ganhas pelo FC Barcelona. Tanto Dembelé como Yamal integraram equipas ganhadoras, os dois têm muito talento, mas a vitória de Dembelé é, sim, um pouco a vitória do rendimento sobre esse talento, da inserção no coletivo sobre o poder do indivíduo. E não, por mais que tentem convencer-vos do contrário, não há mal nenhum em recorrer a números para a justificar. Entre clube e seleção, o francês acabou a época com 37 golos e 14 assistências – o que é notável para um extremo ambidestro que Luis Enrique transformou num falso nove. O espanhol fez 21 golos e 22 assistências. O nível em França é mais baixo? Verdade. Se fosse ano de Mundial ou de Europeu de seleções, talvez víssemos repetido o benefício de um jogo mais contínuo? Eventualmente, mas tudo o que Vitinha ganhou pela seleção portuguesa foi uma Liga das Nações – o que o impediu de ter o impacto de Rodri há um ano, por exemplo.
Há uma coisa a favor de Yamal, que é o futuro. O extremo do Barça ganhou o Prémio Kopa, a premiar o melhor jogador jovem do Mundo, e tudo o que tem de fazer é evitar a atitude de Vini Júnior. Os últimos dias foram marcados por notícias da tentativa de reaproximação da France Football ao Real Madrid, sempre rechaçadas pelo clube espanhol. É normal. Florentino Pérez esteve sempre por trás da promessa (ou terá sido uma ameaça?) de Vini Júnior voltar em grande em 2024/25, para vingar a atroz injustiça de que se dizia alvo, acusando até o painel de jurados que integro de ter votado por motivações racistas. “Farei dez vezes se for preciso. Eles não estão preparados”, escreveu o craque brasileiro na sua conta de Twitter, após ter sido batido por Rodri na corrida ao troféu de 2024. Mas na verdade fez menos. Entende-se a quebra de Rodri, que só alinhou em quatro jogos antes de se magoar e de voltar no Mundial de clubes para mais quatro, mesmo que se anteveja que dificilmente ele voltará a entrar num Top 3. Mas custa mais a aceitar a de Vini Júnior, que passou de uma época com título espanhol e Champions para outra em que ajudou o Real Madrid a ganhar a Supertaça Europeia e a Taça Intercontinental, mas fracassou nas provas mais importantes e não descolou da mediocridade na seleção – mas também, no pré-Ancelotti, ninguém o fazia. Tal como Yamal, Vini Júnior tem o talento e tem o futuro. Mas têm de o mostrar no campo, de pôr os olhos das referências que marcaram a era antes desta, uma era cuja constância faz saltar ainda mais à vista como tudo é hoje efémero.
Messi ainda ganhou a Bola de Ouro de 2023, já um bocadinho fora de época, mas nem isso nos afasta de uma constatação. Nas últimas quatro edições da votação, foram premiados 12 jogadores diferentes: Benzema, Mané e De Bruyne em 2022; Messi, Haaland e Mbappé em 2023; Rodri, Vini Júnior e Bellingham em 2024; Dembelé, Yamal e Vitinha em 2025. Pois sabem quantas vezes isto já tinha acontecido nos 70 anos de história deste prémio e dos que com ele se foram fundindo ou dele separando? Nem mais nem menos do que zero. Havia sempre um repetente a assegurar a continuidade a cada quatriénio. Di Stéfano, Kopa, Suárez, Eusébio, Charlton, Riva, Beckenbauer, Müller, Cruijff, Keegan, Rummenigge, Platini, Gullit, Van Basten, Matthäus, Baggio, Ronaldo (o Nazário), Zidane, Shevchenko, Kahn, Ronaldinho... Nunca houve o risco de se olhar para o palco e não se saber bem quem é que lá estava a segurar as Bolas de Ouro, Prata ou Bronze. Havia sempre alguém que nos lembrávamos de ver ali, nas mesmas circunstâncias, numa edição mais ou menos recente da cerimónia. Até que entrámos na tendência rigorosamente oposta, a de estarem lá sempre os mesmos. Entre 2007, o ano em que pela primeira vez surgiram os dois no Top3, ainda atrás de Kaká, e 2017, a penúltima em que lá surgiram ambos, Cristiano Ronaldo e Messi fecharam absolutamente o palco a novatos. Quando se ia para a Bola de Ouro, tudo se resumia a saber qual dos dois ia levar o troféu e qual ia ficar com a birra, a sorrir contrafeito ao mesmo tempo que o rival fazia o discurso de agradecimento.
Messi esteve nas onze edições, com cinco Bolas de Ouro (às quais ainda viria a somar mais três, em 2019, 2021 e 2023), cinco de prata e uma de bronze. Ronaldo marcou presença em dez dos onze pódios, com cinco Bolas de Ouro e outras cinco de prata, falhando apenas a edição de 2010, à conta de um Mundial abaixo das expectativas. E antes de passar a achar que o prémio afinal não vale de nada ainda fez mais um segundo lugar em 2018 e um terceiro em 2019, até desaparecer de vez nas areias do deserto da Arábia. Na década dos fenómenos, os melhores do resto da humanidade acabaram por fazer papel de meros figurantes, por mais injusto que isso possa parecer se nos lembrarmos do muito que jogavam. Houve Xavi, Iniesta ou Neymar, ainda assim repetentes, mas também Torres, Ribery, Neuer ou Griezmann. Só que ninguém se aproximava dos dois craques estratosféricos que, por nos encherem as memórias mais ou menos recentes, nos condicionam sempre a perceção dos que lhes sucederam. Façam o que fizerem, estes farão sempre pouco. Mas esse é um primeiro plano de análise, que depois há outro, o de eles serem capazes de prolongar os estados de graça. E nenhum conseguiu. É esse o desafio de Yamal. E de Vini, se ele quiser aprender com o que passou.

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