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Na conta do presidente

 

02h00 CEST

01/07/2025

Porque parte da noção de que houve um clamoroso falhanço na escolha, e porque ainda há dias era vigorosamente recusado pelo presidente, o já anunciado mas ainda por formalizar despedimento de Martín Anselmi do cargo de treinador do FC Porto é o primeiro evento na atual crise do futebol do clube que deve ser assacado a André Villas-Boas. Até aqui, o homem eleito na Primavera de 2024 beneficiava de uma espécie de guarda-chuva protetor, suficiente para desviar atenções atraídas por cada desaire para erros ou responsabilidades alheias. Mas desta vez não. Anselmi falhou, a equipa não evoluiu nos cinco meses passados sob o comando do treinador argentino apresentado como promessa de um futuro brilhante, arauto do futebol provocador que tanto agrada a Villas-Boas, mas desta vez ninguém veio estragar o cozinhado ao presidente. Vale mais emendar já o erro do que prolongar esta agonia pela nova época? Se está convencido de que não haverá evolução possível, sim. Mas não vejo como é que isso pode ser feito sem que antes o líder assuma as responsabilidades em nome próprio e explique afinal de contas qual foi o racional das suas decisões: a de contratar, primeiro, a de garantir a manutenção da ideia, depois, e finalmente a de demitir Martín Anselmi ao fim de cinco meses de trabalho.
Que a tarefa de Villas-Boas à frente de um clube a viver seríssimos problemas de liquidez e amplamente fraturado nas fidelidades não seria fácil não era novidade para ninguém. Isso já todos sabíamos, incluindo o próprio. Que a escolha da via confrontacional face ao passado que queria expurgar também não tornava as coisas simples de gerir era outra evidência. O cenário encontrado por Villas-Boas quando pegou no FC Porto que lhe deixava Pinto da Costa era, pelo menos nesse sentido, até mais complicado do que o enfrentado, por exemplo, por Frederico Varandas ao receber o Sporting arrancado às mãos de Bruno de Carvalho. Sim, sei que, mesmo nos últimos anos, o FC Porto de Pinto da Costa ganhava bastante mais do que o Sporting de Bruno de Carvalho alguma vez ganhou. Sempre foram três Ligas, quatro Taças de Portugal, três Supertaças e uma Taça da Liga em sete épocas com Sérgio Conceição – contra uma Taça de Portugal, uma Supertaça e uma Taça da Liga conquistadas por Bruno de Carvalho nos seus cinco anos, com três treinadores (Leonardo Jardim, Marco Silva e Jorge Jesus). Mas, mesmo tendo em conta que deveria fazer-nos crer na existência de uma base de sustentação mais forte, na hipótese real de uma via de continuação de sucesso, até isso acabou por tornar o processo mais difícil de gerir.
As vitórias ainda assim conseguidas por Pinto da Costa e Sérgio Conceição nos últimos anos funcionaram como uma força adicional de bloqueio. Era complicadíssimo assumir a existência de um fosso para os rivais – como assumira Varandas no Sporting pré-Amorim, por exemplo – num clube cujos adeptos estavam tão habituados a ganhar, porque havia um risco real de eles associarem a falta de vitórias à mudança na presidência. E era impossível a Villas-Boas diabolizar abertamente a gestão anterior como o fizera Varandas com a herança que recebera, o que levou o presidente portista a fazê-lo de uma forma mais dissimulada, por exemplo na escolha do seu primeiro treinador. Varandas e Villas-Boas enfrentaram uma conjuntura de dissensão interna, com fações radicais a servirem de forças de bloqueio mais ou menos permanente. Mas só um levou a dimensão da afronta ao passado que queriam erradicar para dentro do campo de treinos – foi Villas-Boas, ao escolher como líder desportivo do projeto o adjunto que queria ocupar o lugar do treinador principal.
Continuo convencido, por exemplo: de que o fracasso de Vítor Bruno, o ex-adjunto de Conceição que o FC Porto escolheu para lhe suceder, foi motivado sobretudo por fatores externos e não por outros, relacionados com a sua competência ou falta dela. Primeiro, pelo facto de boa parte dos adeptos nunca lhe ter perdoado a ambição de substituir o chefe de equipa por eles tão querido – nos dias em que não o assobiavam, pelo menos... Depois, porque esse sentimento de indignidade associado ao “treinador-traidor” foi passando cada vez mais da bancada para o grupo de jogadores, que a partir de certa altura deixou de estar emocionalmente disponível para assumir no peito as dores daquilo que, face à ausência de resultados consolidados, começou a acreditar que era uma afronta ao âmago do portismo. E não era – era só o Mundo a girar e a evoluir, como gira e evolui sempre. Ainda assim, no grupo a ideia passou a ser: se os Super Dragões nunca lhe perdoaram, porque é que nós havemos de ouvir das boas por ele? Faltou a todos entender que o FC Porto não deixara de ganhar porque o treinador fosse mau. O FC Porto ganhava menos vezes porque o plantel era fraco. Já tinha sido assim no último ano de Conceição e estava a ser cada vez mais assim há uns anos, desde que se iniciara um processo de descapitalização desportiva gradual da qual era muito difícil recuperar com rapidez.
Quando André Villas-Boas demitiu Vítor Bruno, creio que já não tinha alternativa. A ação, aí, teria sido necessária antes, evitando por exemplo que os jogadores chegassem ao ponto de rotura e saturação das constantes humilhações, forçados a comparecer, de cabeça baixa, em frente às claques, para delas ouvirem insultos após cada resultado infeliz. Falou-se em “ano zero”, mas faltou interiorizá-lo com mais coragem. Ainda assim, quando Villas-Boas contratou Martín Anselmi já tinha alternativas, poder da escolha. As assistências nos estádios já haviam caído, as expectativas de resultados já não eram boas, a janela temporal para a decisão era alargada, até ao início da época seguinte, o universo de treinadores disponíveis – ou prestes a estarem disponíveis – dava-lhe uma margem de manobra apreciável. Anselmi foi escolhido porque o presidente achava que ele era o homem certo, contratado no momento certo para dar a volta à narrativa de insucesso que se apresentava já como interiorizada. E aí voltaram os erros.
Tal como em Agosto, em Janeiro o FC Porto voltou a cometer erros de mercado e, mais uma vez, de gestão de expectativas. Cometeu erros de mercado pelos jogadores de que se separou sem os substituir – Galeno, mas sobretudo Nico González. E se isso ainda pode entender-se pela necessidade de fazer dinheiro para enfrentar a situação complicadíssima, de “iminente bancarrota”, como recentemente a definiu o próprio Villas-Boas, o que já se percebe pior é que tenha contratado um treinador cuja marca é a qualidade de saída de bola atrás e depois não lhe tenha dado um – repito, um – jogador capaz de assumir essa maneira de jogar. Sim, é verdade: apesar das promessas agitadas por presidente e treinador à volta da conquista de troféus – e aí estão os erros na gestão de expectativas –, o FC Porto não evoluiu rigorosamente nada em cinco meses com Anselmi. Mas confundem-me as razões que levaram o treinador a uma trajetória demasiado ziguezagueante e nada convicta das suas ideias como a que trilhou desde Janeiro. Anselmi é um dos culpados do registo destes cinco meses, em que os Dragões somaram apenas dez vitórias (com seis empates e cinco derrotas) em 21 jogos oficiais. É culpado porque mudou de crenças em andamento, não foi coerente e nisso se perdeu. Mas não é o único nem sequer o maior responsável. Os principais serão o presidente e o diretor desportivo, Andoni Zubizarreta. Tanto um como o outro tinham a obrigação de saber muito melhor o que estavam a dar-lhe, o que lhe exigiam e em que ponto deviam colocar o risco no chão. E nem que o basco venha a ser também sacrificado na remodelação que se avizinha se reduzirá a responsabilidade presidencial na escolha a fazer agora. É que, depois de Keizer e Silas, até Varandas acertou à terceira com Amorim.

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