13h52 CEST
28/06/2024
Perder com a Geórgia, como Portugal perdeu (0-2), no encerramento da fase de grupos do Euro 2024, é mau. É péssimo, mesmo, pois estamos a falar de uma seleção que, além das vitórias contra Chipre e o Luxemburgo, só tinha conseguido mais três empates em dez jogos de qualificação. Ainda assim, há uma razão acima de todas as outras a fazer com que a derrota de ontem seja má. É o receio de que Roberto Martínez insista neste plano de jogo inadequado aos futebolistas de que dispõe, um plano que só in-extremis chegou para os titulares obterem uma vitória nos descontos contra a República Checa e que depois resultou no desconforto e na derrota dos suplentes contra a Geórgia.
Perder aquele jogo foi mau porque em vez de uma Hungria com algumas armas ofensivas, mas permeável atrás, vamos encontrar a Eslovénia, que com a Dinamarca e a Áustria se tem mostrado uma das equipas defensivamente mais bem organizadas de toda a competição – mas isso até foi pior para os húngaros, que após dois dias à espera acabaram por seguir para casa, eliminados. Perder aquele jogo foi mau também porque a derrota pode vir abalar a moral dos jogadores, por mais que eles tenham vindo proclamar o contrário, mas fá-lo-á sobretudo aos que estiveram em campo – e à exceção de Diogo Costa, Ronaldo e talvez Palhinha, não serão esses os que vão começar a partida que se segue. Nos oitavos voltarão os titulares e o que o desaire de ontem nos disse foi sobretudo que, mesmo que proclamada por José Mourinho, essa ideia de que Portugal tinha duas equipas capazes de discutir o torneio era um exagero nascido da habitual euforia lusa.
Mas perder o jogo de ontem foi mau sobretudo devido às razões que levaram à derrota e à insistência de Roberto Martínez num plano de jogo que tem tudo para falhar, por atribuir aos jogadores missões que eles têm muitas dificuldades em cumprir. O problema não são os três defesas-centrais, como não são os laterais por dentro – quando muito será a acumulação das duas coisas. O problema não é a lógica de contramovimentos na frente. Tudo isso, já vimos noutros contextos que pode funcionar. O problema é querer impor à força, porque estão lá descritas no manual trazido pela equipa técnica para este Europeu, missões que tiram parte dos jogadores da seleção das zonas em que eles fazem a diferença. Já se tinha visto isso na sofrida vitória sobre a República Checa, na primeira jornada desta fase de grupos. Pois bem: contra a Geórgia, esse desconforto cresceu e não houve assomo de orgulho final que impedisse o desaire. E cresceu não só porque os jogadores escalados eram os suplentes e não os titulares – menos qualidade, portanto, bem à vista na forma como João Cancelo ou Diogo Dalot desempenham a missão de lateral transformado em segundo médio ou até segundo avançado –, como porque se manteve o erro de base e ainda subimos o grau de dificuldade com a junção de Palhinha a uma tripla de centrais.
Quando joga com três defesas-centrais, a equipa não deixa de atacar, como sempre, em 3x2x5. Mas o desdobramento atacante a partir do 3x4x3 leva muita gente para zonas incómodas. Como tem os três centrais atrás, em vez de baixar para início de construção, Palhinha já é obrigado a entrar em ações e zonas de criação, a buscar as entrelinhas. E, mais a mais contra equipas que mantêm o bloco baixo, se defendem com linhas muito próximas, uma de cinco e outra de três (a Geórgia) ou de quatro (a República Checa), logo à saída da sua área, essa é uma missão para a qual faltam argumentos ao médio do Fulham – que no jogo contra os checos, aliás, até tinha ficado de fora. O cinco da frente, depois, coloca Ronaldo na posição central – foi ele o ponto em comum entre os dois jogos –, mas sempre que ele saía para ligar com a equipa quem devia aparecer para ocupar as posições de finalização era o lateral, que a metamorfose ofensiva da equipa transformava em segundo ponta-de-lança. Nem Cancelo nem, sobretudo, Dalot, se deram bem com isso. E é esse o maior foco de preocupação saído da derrota com os georgianos: é que nada garante que não seja essa a fórmula que o selecionador venha a escolher para enfrentar os desafios que se seguem.
Este tem sido o Europeu dos contra-movimentos, das multi-estruturas e dos laterais interiores – e nisso Portugal está entre o lote dos pós-modernos. Nada disso, como já defendi antes, é um problema em si. Mas tudo pode ser um problema se, como é o caso na seleção nacional, forçar situações em que os jogadores não sentem conforto. O lateral esquerdo a surgir como segundo médio no 4x3x3, compensando a retração do médio-defensivo para o espaço entre os centrais em início de construção, que o selecionador começou a usar na qualificação, não me pareceu nunca uma má ideia, sobretudo por proporcionar o conforto a partir da largura, naquele lado, a Rafael Leão, um extremo que pode ser diferenciado mas que para o fazer tem de sair da linha e não de ter um lateral por fora. O problema foi que, convencido da bondade desta inovação, Martínez optou por alargá-la mais e mais e mais ainda. Como se viu nos jogos com a República Checa e a Geórgia, o excesso de inovação confundiu a equipa, que para já, para voltar a ser vista como candidata ao que quer que seja neste Europeu, precisa de fazer as coisas simples e de pensar mais em si mesma e não em contra-medidas capazes de travar equipas que ainda por cima não vão ser tão fracas como a República Checa e a Geórgia.