E que tal esse Europeu? Não está a ser mau, pois não? Para já, há uma coisa evidente: o futebol está a recuperar o gosto pelo ataque. Nos 36 jogos da primeira fase, marcaram-se 94 golos, mais de 2,6 por jogo. Mais 25 do que na primeira fase de 2016, com o mesmo total de jogos. Claro que as pessoas encontram sempre uma forma de mostrar descontentamento e se há golos deve ser porque as defesas não têm estado à altura. Não é essa a minha opinião. É certo que esta primeira fase é apenas uma espécie de aquecimento para o que aí vem, que tudo pode mudar daqui para a frente, mas o que se passa é que muitos adeptos continuam a olhar para o futebol de acordo com ideias pré-concebidas. E uma delas é essa: que as equipas estão cada vez piores a atacar.
De regresso de Budapeste, onde fui comentar, para a RTP, um dos últimos jogos da fase de grupos, entre Portugal e a França, tive uma escala mais ou menos longa em Frankfurt e aproveitei-a para ouvir o ESPN FC, o meu podcast favorito de futebol. A falar do jogo que eu tinha comentado estavam Stevie Nicol, Don Hutchinson, Kasey Keller, Frank Leboeuf e Luís García – ainda gostava de entender por que é que quando se fala de Portugal chamam sempre um ex-jogador espanhol... E, a dada altura, quando se falou da equipa de Portugal, a opinião geral foi a de que tínhamos jogadores incrivelmente talentosos, mas que era preciso domá-los. “Não se ganha nada sendo assim tão ofensivo”, disse Hutchinson. E ninguém o contrariou. Portanto, se andam por aí a dar atenção às redes sociais e ao muito que tem dito acerca desta equipa híper-defensiva, isto já chega, pelo menos, para vos confundir. Talvez não vos mude a opinião, ainda assim.
Na verdade, olha-se para a classificação e os números estão lá. Portugal marcou sete golos e fê-lo num grupo com os dois últimos campeões do Mundo, a Alemanha e a França. Pronto, OK, três foram de penalti – mas também valem. A verdade é que só uma equipa fez mais golos na primeira fase do que a formação “super-defensiva” de Fernando Santos – foi a dos Países Baixos, que marcou oito, em jogos com a Macedónia, a Ucrânia e a Áustria. Concordamos todos que o poder dos adversários dos holandeses é ligeiramente mais baixo do que o dos nossos, certo? Por outro lado, quando se olha para a outra coluna, a dos golos sofridos, as surpresas continuam: comandados pelo retranqueiro Fernando Santos, o homem que gosta de jogar com dois guarda-redes, três defesas centrais e quatro trincos, os super-defensivos campeões europeus sofreram seis golos, o que os deixa apenas à frente de Turquia, Rússia, Macedónia e Eslováquia. Todas eliminadas – o que dá alguma razão a Hutchinson acerca da impossibilidade de se ganhar assim.
De acordo com a sabedoria popular, veiculada pelas redes sociais, Portugal ataca muito mal. Mas marca golos que se farta. Por outro lado, ainda recorrendo aos conhecimentos vindos da “universidade da vida”, a equipa nacional é muito defensiva. Mas sofre quase tantos golos como os muitos que marca. O futebol tem muitos destes paradoxos. É estranho, mas em linha com essa ideia de que o futebol está cada vez mais defensivo, mesmo com mais 25 golos marcados do que na fase de grupos do Europeu de 2016. As pessoas repetem aquilo que ouvem e lhes parece confirmar o que ouviram em tempos, mesmo que seja tão desprovido de razão como as teorias da terra plana ou do chip do Bill Gates e do 5G na vacina contra a Covid19.
Multiplicam-se os memes com essa propensão defensiva da seleção portuguesa – ainda hoje respondi a um amigo que já não tinha muita paciência para essa piada gasta –, mas a verdade é que aquilo que está a separar esta equipa nacional de um bom resultado neste Europeu é precisamente a incapacidade para defender em boas condições e com bons resultados. Por mais que esta ideia venha contra os gurus do Twitter, do Instagram, do Facebook e do TikTok.
Por António Tadeia