10h06 CEST
27/05/2021
A Superliga europeia de futebol morreu à nascença. A competição foi um nado-morto, em parte devido à reação enérgica dos adeptos em Inglaterra, muito reforçada pelas palavras de jogadores e treinadores dos clubes rebeldes, mas sobretudo porque, tal como nasceu, não tinha condições de sobrevivência. Conforme disse na altura no programa “É ou não é”, na RTP1, já vi bailes de finalistas mais bem organizados do que esta tentativa pífia de avançar com a que pretendia ser a competição mais importante do desporto mais globalmente seguido de todo o Mundo.
Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, Andrea Agnelli, presidente da Juventus, e os norte-americanos que são donos dos clubes ingleses igualmente presentes na génese deste projeto fracassaram e desde essa altura estão a experimentar o opróbio do povo do futebol. Mas desenganem-se aqueles que pensam que esta foi uma vitória da alma dos adeptos face ao negócio. O futebol-negócio está aí há décadas, não apareceu agora e veio para ficar. O que este processo tão célere nos disse é que há limites para tudo. Para o descaramento e para a incompetência.
Escrevi logo no dia do lançamento do projeto que o lançamento da Superliga era uma espécie de jogo de póquer e que, naquela altura, tanto os rebeldes como a UEFA estavam ainda a pôr as fichas na mesa, mas que só se saberia quem levaria a melhor quando fosse o momento de mostrar a mão de cada um. Enganei-me numa coisa: os rebeldes não tinham um “full house” para combater o póquer de reis da UEFA, mas sim um mísero par de valetes: Florentino e Agnelli.
A Superliga fracassou porque nem os clubes dissidentes nem o banco que os apoiava nos desejos de secessão – o JP Morgan – se deram ao trabalho de perceber coisas básicas. Bastava terem feito um estudo de opinião para verem que a ideia de Superliga não provocaria grandes abalos nos espanhóis ou nos italianos, que não saíram à rua para protestar, mas que iria virar do avesso o tradicionalista futebol inglês. Bastava terem um pingo de senso comum para perceberem que, além disso, mesmo que o projeto passasse sem problemas em Inglaterra, Itália e Espanha, seriam vistos como maus da fita em 52 dos 55 países filiados na UEFA, devido à insustentável falta de representatividade da prova que estavam a criar. Uma Superliga sem alemães? Sem franceses? Sem portugueses, russos, holandeses, turcos, gregos, ucranianos, belgas?
O que matou à nascença a Superliga não foi o facto de representar o negócio, a ganância, a vontade de acumular lucros acima de qualquer razoabilidade. Também a UEFA e a sua Liga dos Campeões ou a própria Premier League têm vindo a caminhar nesse sentido – e está tudo bem, que o Mundo é assim mesmo. O que matou à nascença esta Superliga foram a sua falta de representatividade e a sua falta de noção daquilo que, apesar de tudo, ainda é o futebol, onde, como muito bem disse logo na altura Pep Guardiola, há sempre a noção de que a um esforço corresponde uma recompensa.
Não deixa de ser curioso que um dos mais ferozes opositores desta ideia de Superliga tenha sido Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido e ex-jogador de rugby dos Old Etonians, quando o rugby é ainda menos representativo e inclusivo do que este projeto, sendo de todo impossível a clubes portugueses, por exemplo, participar na Taça dos Campeões Europeus. E Portugal está neste momento entre as dez primeiras nações do rugby europeu. Mas o rugby é o rugby. E o futebol fez todo um caminho de inclusão que faria abortar o projeto nas suas próprias contradições, bem à vista nas declarações de Florentino Pérez.
Aqui chegados, então, o que vai acontecer? As consequências serão penosas. A má vontade popular vai pesar em cima dos desertores, mas certamente não a ponto de fazer quem quer que seja mudar de clube. Cabeças rolarão, mas os clubes reencontrarão o seu caminho e até serão acolhidos de braços abertos por uma UEFA que sabe bem que é mais forte com eles do que sem eles. A nova Champions vai avançar, com mais concessões aos grandes e ao grande capital, restando perceber se às custas dos pequenos ou da classe média, como aconteceu na famigerada reforma-Platini.
E, embora tenha visto os poderes reforçados por esta tentativa de secessão, Aleksandr Çeferin ficou a saber que tem de redobrar a atenção. Aplica-se aqui a frase de Sun Tzu, na “Arte da Guerra”: “Mantém os teus amigos por perto e os teus inimigos mais perto ainda”. Para prevenir novas crises, a UEFA tem de trabalhar com as forças motrizes do futebol europeu na construção de um futuro que as satisfaça. Quem são elas? Os grandes clubes, as grandes federações, a banca e os adeptos com capacidade de mobilização, que é como quem diz, os ingleses.
Gozem a vitória enquanto podem, que os tempos que aí vêm não serão fáceis.