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A reinvenção de Mourinho

 

10h18 CEST

27/05/2021

A contratação de José Mourinho pela AS Roma é ao mesmo tempo um sinal dos tempos em Itália e uma prova de vida do ultimamente não tão “Special One”. Será ainda, possivelmente, e dada a pouca propensão para os gastos excessivos da família Friedkin, proprietária do clube italiano, a oportunidade de que Mourinho precisa para voltar aos caminhos vencedores, não só porque em Roma a exigência é bem menor, mas sobretudo porque dificilmente poderá ser levado à perdição pelo mercado de transferências, o maior problema dos últimos anos na vida do mais bem sucedido treinador português de todos os tempos. Ao assumir a AS Roma, Mourinho dá o passo atrás de que precisa para poder dar dois em frente. Assim ele recentre o seu trabalho no que verdadeiramente lhe dá frutos.

O trajeto de Mourinho foi sempre a subir até ao momento em que ganhou a tripleta italiana com o Inter Milão, em 2010. Tinha sido campeão português, inglês, italiano e europeu (duas vezes, por clubes diferentes) numa década. Estava pronto para o maior de todos os desafios: o Real Madrid. Em Espanha, no entanto, além de encontrar a sua nemesis no amigo Guardiola, descobriu com Florentino Pérez o pináculo da capacidade de intervenção no mercado. Ao pé das ideias galácticas do presidente madridista, a vontade de esbanjar de Abramovich era mínima. E, sobretudo mais tarde, no Manchester United, onde torrou quase 400 milhões de euros nos primeiros dois anos, com destaque para os 105 pagos à Juventus por Pogba, o foco de Mourinho mudou. 

Mourinho não está ultrapassado no terreno de jogo ou no campo de treinos, conforme se insinuou. Longe disso. Estamos a falar de um treinador que em Itália ainda é comparado a Helenio Herrera, porque tal como o “Mago” estava uma década à frente de toda a gente quando lá chegou. E um avanço assim não se perde. Simplesmente, Mourinho passou a centrar-se no mercado de transferências, onde é extremamente difícil manter-se invulnerável aos muitos interesses presentes. E com isso colocou em risco a reputação de treinador vencedor que construíra.

Em Roma, ninguém esperará um milagre na primeira época. Feitas as contas, Paulo Fonseca fez um bom trabalho com o plantel que lhe deram. Mas para levar esta equipa da AS Roma a ganhar títulos isso não basta. Seria preciso ser extraordinário, como Mourinho foi na União de Leiria, no FC Porto, no primeiro Chelsea ou no Inter. E Mourinho só será extraordinário se se recentrar naquilo em que é melhor: o campo de treinos e a criação de empatia com um grupo que o aceite. A relação – que até podem vir dizer que era boa, mas que claramente não era – que manteve com o plantel do Tottenham era a prova de que, ali, as coisas tinham fracassado. 

O método-Mourinho, agressivo, confrontacional, provocador, resulta sobretudo em grupos que não estão habituados a ganhar e aproveitam o impulso para se unirem em torno do objetivo comum. Os jogadores do Tottenham tinham um problema: não tinham ganho nada, mas já se achavam acima da crítica corrosiva com que Mourinho começa sempre que chega. Estavam naturalmente no seu direito, porque esta não é a única forma de vencer, não é a única forma de liderar. É a de Mourinho, no entanto. E Mourinho repete processos.

Em Itália, o regresso de Mourinho foi visto de duas formas. Primeiro, como a vitória do futebol pragmático, que já vinha sendo prenunciada pela conquista do “scudetto” por parte do Inter de Antonio Conte ou pelo fracasso de Andrea Pirlo na Juventus, onde a sua contratação foi justificada com a necessidade de colocar a equipa que ganhara nove campeonatos seguidos a jogar um futebol mais atrativo. Depois, a chegada de Mourinho foi vista como uma forma da AS Roma recuperar a ambição que lhe vinha faltando nos últimos tempos. O golpe dos Friedkin foi mesmo comparado ao disferido por Franco Sensi, quando o histórico presidente romanista contratou Fabio Capello, em 1999, vindo a ganhar a Série A à segunda época. Foi o último “scudetto” de uma equipa da capital. 



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